“O comunicador que fala, discursa e tem o pensamento e o desejo de transformação é o que está mais me mobilizando ultimamente”, diz Tiago Abravanel sobre a dinâmica de seus múltiplos talentos, lapidados com trabalho, intuição e a certeza de que a vida não é totalmente explicável só pela razão
Direção_Allex Colontonio + André Rodrigues | Por_Paula Lima | Fotografia_Victor Affaro Beleza_Eliseu Santana | Moda/styling_fran piovesan | jaqueta salva-vidas_rafael chaouiche Triângulo acrílico_Acrilmarco | Produção_Felippe Chagas | Assistente de beleza_Flavia Rudeli | Assistente de fotografia_Erick Gianezzi | Agradecimento_fernando poli Retoucher_Marcelo Calenda
Tiago Abravanel é um showman no que a definição tem de mais clássico e contemporâneo, em especial numa época de tantos vocabulários e repertórios digitais. Tal qual se vê nas telas e nas redes, em que ele contabiliza mais de quatro milhões de seguidores – depois de sua participação recente no programa Big Brother Brasil –, Tiago é aquela pessoa que conquista instantaneamente a atenção do outro – ou de uma plateia inteira, se preciso for – tamanha a naturalidade com que entretém seus interlocutores ou a audiência.
Aos 34 anos, o ator, cantor, dublador e apresentador tem se sentido cada vez mais confortável no papel de comunicador. No caso dele, comunicar depende necessariamente da paixão pelo que faz, das causas em que acredita e de boas doses de joie de vivre, uma alegria de viver que Abravanel tem de sobra. De tão espontâneo e autêntico, o mais comum é que Tiago espalhe essa vibração por onde passa. Apesar da controversa participação no reality da Globo, do qual pediu para sair, gerando sua desclassificação. Não foi diferente na agenda com Pop-se – para a sessão de fotos e a entrevista que seguem nas próximas páginas – produzidas antes de ele participar do BBB. Pense naquele encontro que vira um corre de ideias boas, falação animadíssima e ótimas sacadas sobre vida e trabalho, fazendo tudo parecer mais simples e mais leve, só por ser verbalizado. Foi o que se deu na nossa conversa, confirmando, afinal, que a fé na vida, na arte e na diversão sacia a alma sim, senhor.
“Muitas pessoas acham que só por estar na mídia você não rala”, diz Tiago, deixando para trás, pura autoironia, ilusões e distorções de que fama e notoriedade não dependeriam de muito, muito empenho profissional. Antes de se tornar uma figura midiática reconhecida não importa onde esteja, Tiago fez, jovem anônimo, sete musicais até viver o turning point com a performance com o Tim Maia dez anos atrás. Foi um evento que marcou época no showbiz. “Há quem cite três espetáculos que tiveram tanta repercussão assim, de ser um grande acontecimento, na história recente do teatro. A Denise Fraga com o Trair e Coçar, o Paulo Gustavo com Minha mãe é uma peça e nós com Tim Maia. Nem eu acreditava. Madonna no Maracanã era o show do pico das galáxias na época e o detalhe é que se conseguiam ingressos para ver Madonna, mas não para o Tim Maia. Eram três meses de fila, aguardando uma entrada, ou pagar valores exorbitantes aos cambistas”, lembra Tiago sobre a montagem, um divisor de águas na carreira e na vida.
E foi exatamente do teatro que ele mais sentiu saudades no tempo recente de recolhimento e distanciamento social durante a pandemia. Entre as melhores lembranças da infância, sobram imagens das coxias do Teatro Imprensa, em São Paulo, administrado por sua mãe, Cintia Abravanel, artista plástica e filha do casamento do empresário e apresentador Silvio Santos com Maria Aparecida Vieira Abravanel, que morreu em 1977.
Mais do que as questões da ascendência familiar e de um eventual legado genético-artístico, a consagração nos palcos, aos vinte e poucos anos – depois de já ter feito outro musical bem sucedido, Hairspray, sob direção de Miguel Falabella –, deu a Tiago o lastro e a segurança de um artista vocacionado e super-empenhado no que faz. Entre novelas, filmes e outros tantos trabalhos, a dedicação ao ofício não impediu que Abravanel vivesse cultivando o gosto pela diversão, outro traço de sua personalidade. Um dos sonhos do ator e cantor, aliás, é justamente ter um parque de diversões. Mas nada de parquinhos, por favor. Com ele só faz sentido se for mega, farto e vasto, à la Disneylândia, inclusive porque, na falta de outros gurus, Abravanel alimenta admiração por universos fantásticos e pelas ideias de Walt Disney [1901-1966], o lendário produtor e empreendedor americano.
Para não deixar os sonhos assim, soltos ao léu, Tiago transformou o apartamento em que vive com o marido, o produtor Fernando Poli – com quem divide a vida há sete anos, depois de um encontro cinematográfico no Carnaval da Bahia –, num parque de diversões repleto atrações, todas indispensáveis. É a Abravalândia, como eles brincam. Tem cinema ao ar livre, coleção de bonequinhos pop, pequenas e grandes excentricidades aqui e ali, entre outros detalhes sob medida para estimular circulação e movimento. A propósito, movimento, diz Tiago, é a palavra que o define. Daí o fascínio por São Paulo e a loucura por Nova York, onde ele já se apresentou com Ivete Sangalo cantando no Brazilian Day.
“Quero construir minha história”, ele diz. “Às vezes não acreditava que podia ser grande porque sempre prefiro estar com o pé no chão, sem achar que sou maior ou melhor do que ninguém. Mas agora já entendo que posso ser o quão grande quiser. E posso dizer que já cantei com uma orquestra e com o maestro João Carlos Martins na Sala São Paulo”, orgulha-se, citando o icônico endereço paulistano. “Para o moleque que ralou e ganhava 250 reais por mês, fazendo seis sessões de um musical com três pessoas na plateia, isso pra mim é muito”, afirma o artista, que também tem, em casa, logo na entrada, uma bela imagem de São Jorge, o guerreiro e protetor com o qual a apresentadora Eliana presenteou Tiago. Leia a seguir trechos da entrevista:
“Na religião, também sou desse lugar que é não estar dentro de uma caixa. Alguém que acredita que as energias estão em tudo”
POP-SE. Tinha noção que o musical sobre Tim Maia seria tão determinante na sua carreira?
Tiago Abravanel: Óbvio que fazer um espetáculo sobre a vida do Tim Maia é muito importante. Sabíamos que poderia ser legal, mas a maneira como aquilo arrebatou o Rio de Janeiro na época foi muito louco. Quando passei no teste para fazer o personagem, não tinha noção do que poderia ser. E aí, na estreia, lembro-me que quando entrei em cena, vi a Glória Perez, o Erasmo Carlos, o Diogo Vilela, a Marília Pêra e o Nelson Motta logo na primeira fileira. Assim, de cara.
P: E já tinha lido o livro do Nelson Motta sobre o cantor?
TA: Já. Durante o processo do ensaio, que foi muito rápido, fui lendo e estudando loucamente. Foram só seis semanas de preparo, pouquíssimo tempo. Vivi aquilo intensamente. Dormia e acordava respirando Tim Maia. Livro, disco, tudo. Foi um processo totalmente transformador. Não só para minha carreira, mas para a minha vida.
P: Mas você já havia feito muita coisa antes de ficar conhecido.
TA: Tim Maia foi meu oitavo musical. Para a mídia, para o Brasil, ainda não era alguém conhecido, mas eu já trabalhava há um tempão. Depois do Tim, começaram a me chamar para fazer eventos, festas de fim de ano, aniversários e tal. Lembro especialmente dos eventos corporativos, em que você se apresenta com as pessoas conversando, bebendo. Pisava ali e entendia que as pessoas não me conheciam. Era meio a história do neto do Silvio Santos, do menino que fez o Tim Maia, mas ninguém sabia muito quem era aquela pessoa.
P: E como era se apresentar nesse circuito?
TA: Durante esse processo, nesses eventos corporativos, entendi que meu trabalho, a minha vocação, era conquistar aquelas pessoas porque elas não me conheciam. Na maioria das vezes, elas estão ali ou para fazer média com o dono da empresa ou por qualquer outro motivo, pela boca livre mesmo. O artista é apenas mais uma atração e não o motivo pelo qual o público está ali, diferentemente de fazer um show, em que o espectador paga por um ingresso para assistir. É outro caminho. E aí comecei a entender que a minha função na música é trazer as pessoas para perto de mim. Parava no meio do show e descia no palco, conversava com alguém. Mudava o repertório ao entender que aquele público não ia curtir o repertório. “Vamos tocar outra coisa?”, eu propunha. Comecei a entender esse universo da música porque até então ela era só o um instrumento artístico para o teatro.
P: O que descobriu?
TA: Conheci, pela música, o Tiago comunicador, algo que sempre neguei por causa daquele papo de ser neto de um dos maiores comunicadores do Brasil.
P: Essa fatura, do neto de Silvio Santos, ainda chega para você?
TA: Acho que muito menos agora. O que chega hoje para mim são as ações, as coisas que acontecem. Por exemplo, se falo alguma coisa e aí tem “vamos falar aqui o que o seu avô pensa disso?” Ou ele fala alguma coisa e vêm me perguntar o que eu acho. Nesse sentido, há uma curiosidade, uma vontade, uma necessidade de vincular minha atitude com a dele ou vice-versa. Por ser uma família conhecida, isso acaba acontecendo naturalmente.
P: E como você reage?
TA: Além de empresário e dono da emissora, Silvio Santos é um artista: há esses dois lugares. Então é bem doido falar sobre isso agora porque conversando recentemente com a astróloga que faz meu mapa astral, eu disse que essa talvez seja a minha grande questão até os 33 anos. Por que nesse último ano comecei a ter essa consciência de que preciso me libertar um pouco quando as pessoas sempre fazem essa associação, em qualquer circunstância.
P: Para você, ele é um artista?
TA: Sim, ele é mais um artista do que qualquer outra coisa. Tenho muito orgulho de fazer parte dessa história, dessa família, mas as pessoas precisam entender que a história dele não é a minha. Quem está construindo a minha sou eu. E hoje tenho tranquilidade para falar sobre isso porque antes preferia posar na capa da revista junto e todo mundo achava que fui o neto que brincou no parque com ele. E não fui. Não preciso fingir que foi assim. Hoje tenho maturidade pra dizer isso com tranquilidade, de que essa relação mais romantizada, de avô e neto, não existiu.
“Hoje tenho maturidade para dizer isso com tranquilidade, de que essa relação mais romantizada, de avô e neto, não existiu”
P: Mas você via Silvio Santos trabalhando, era uma criança que frequentava estúdios de TV?
TA: Não, não. Ou muito, muito pouco. Criança, acompanhava minha mãe no trabalho. Ela administrava o Teatro Imprensa desde que eu tinha sete anos de idade. O universo do teatro sempre foi a minha maior ligação, diferentemente do que as pessoas imaginam pelo fato de ser neto do Silvio Santos. Meu nascer artístico se deu na coxia de um teatro e não da televisão. Isso me fascina de um jeito que foi do que mais senti falta durante a pandemia. Saudade de quê? Saudade do teatro. No teatro, sinto-me muito forte.
P: Não ter começado no SBT ajudou, no sentido de ter sua própria história?
TA: Na verdade, antes do Tim Maia, olha que doido, fiz uma novela no SBT, Amor e Revolução. Tratava da ditadura e foi bem bacana como experiência. Mas sabia que faltava viver alguma coisa para poder trabalhar o meu lado ator na dramaturgia. E aí o Tim Maia veio logo em seguida e pedi para o autor me matar na novela para poder ensaiar o Tim Maia no Rio de Janeiro.
P: Por falar nisso, o fato de ser um ator branco interpretando um personagem negro gerou algum desconforto?
TA: Na época, houve questionamentos. No dia do teste, o diretor do espetáculo falou com a produtora de elenco: “Mas está escrito Tiago Abravanel aqui? Ele é o neto de Silvio Santos, branco, paulista, e vai fazer o Tim Maia? Não tem como”. Mas deu ok para eu fazer o teste e naquele momento isso não foi um impedimento. O espetáculo era uma homenagem e ainda não tínhamos construído e consolidado essa consciência desse espaço, que, no caso, o homem negro deixava de ter se eu fizesse. Eu ainda não tinha essa consciência e a produção também não teve. Fiquei dois anos e meio em cartaz e depois veio o Danilo [de Moura, ator] que ficou mais dois anos. Então foram quase cinco anos em cartaz e hoje tenho a consciência de que se o espetáculo voltasse, por exemplo, eu não poderia fazer inclusive porque tenho mais consciência sobre tudo isso. Já estamos em outro momento no mundo e sou muito grato, eternamente grato por ter feito. Foi um divisor de águas na minha vida.
P: Para alguém que faz tanto –canta, dança, faz novela, apresenta programas de TV, produz, faz shows– o que mais te atrai?
TA: Saber que posso fazer tudo isso é o que mais me atrai. É o ser humano que tem mania de colocar nas caixinhas. Desde pequeno, antes de trabalhar, sempre fui um ponto fora da curva, um cara que queria fazer coisas diferentes. “Ah, você quer que eu faça isso aqui? Mas acho que pode ser desse outro jeito, assim, pode ser?” E aí você faz e entrega. Nessa construção da carreira, como adulto, digamos assim, comecei a entender que as coisas podem se completar. Não precisam ser isoladas porque quando piso no palco para cantar o Tiago ator está ali, o Tiago comunicador está ali e o Tiago empreendedor, que quer se vender como produto, também está. Quando se tem essa consciência, você vai quebrando barreiras, não deixa espaço para que digam que você é isso ou aquilo. Sou o Tiago Abravanel e vou fazer o que puder e me entregar para fazer o melhor, independentemente de onde estiver.
P: Mas tem algo que te dê mais prazer no trabalho?
TA: Depende muito da fase, do momento de vida, da situação emocional. Tem momentos, por exemplo, que penso coisas como “nossa gente, não sou bom ator. Acho que sou ruim.” Tem momentos que falo assim “acho que cantar não é para você, Tiago”? Sabe essa autocrítica, quase autoboicote? Às vezes acontece. Todas essas possibilidades, na verdade, me dão prazer, mas existem os momentos em que consigo me entregar de forma mais plena e mais intensa para uma coisa ou outra. Ultimamente, por exemplo, tenho sentido que o Tiago comunicador, o Tiago que fala, discursa e tem um pensamento e um desejo de transformação social é o que está me mobilizando mais. Se precisar cantar por esse Tiago, vou cantar. Se precisar atuar para esse Tiago, atuo. Mas o que mais me encanta em trabalhar é poder colocar a palavra para fora.
P: E sobre os momentos de insegurança, tudo bem também, né? Até Ella Fitzgerald, dizem, ficava insegura no estúdio.
TA: Acho que é assim mesmo. Todos os artistas passam por crises existenciais e talvez seja esse o lugar que dê tanta intensidade para aquilo que a gente finaliza e entrega, que é a arte em si. Arte é isso. É a dor, é o amor expresso numa obra. Faz parte. Agora, quando alguém ou você mesmo fala assim “ah, vou fazer isso aqui porque é o feijão com arroz” é porque não está num lugar confortável. Perder a motivação, a paixão do artista, não dá. Se você está num lugar que é só bater o cartão, não acontece.
P: Amor e casamento. Podemos falar?
TA: A minha relação com o Fê [Fernando Poli, companheiro de Tiago] foi literalmente construída com amor. Nos conhecemos no Carnaval de Salvador há quase sete anos. Tinha acabado um relacionamento e ido para a Bahia. No camarote, encontrei a Helen Ganzarolli [apresentadora], que é minha amiga e o Fê estava com ela. Eu disse para ele pegar o meu número de telefone com a Helen. Dois dias depois, em cima do trio da Ivete curtindo, passando na frente do camarote do SBT e o vi lá em cima. Olhei para ele e sinalizei – “ué, não me ligou?”. Ele disse que a Helen não tinha meu telefone. “Então anota”, respondi. De cima do trio, gritei o número. Juro por Deus.
P: Amor mesmo.
TA: Por isso digo que é construído. Fomos a um restaurante em São Paulo e ele disse que precisava me contar um negócio antes de qualquer coisa. “O quê?”, perguntei. “Trabalho no SBT há 14 anos”, ele disse. “Hã?”, não acreditei. Segundo ele, já tínhamos nos encontrado duas vezes na emissora, mas eu não me lembrava. Foi assim que tudo começou.
P: E agora vocês dividem uma casa que é um parque de diversões?
TA: Chamam nossa casa de Abravalândia porque é, sim, meio um parque de diversões. Lá, você pode ser o que você quiser, fazer o que quiser – obviamente respeitando tudo e respeitando o amor. O respeito em primeiro lugar, com muita leveza, alegria e liberdade. Sempre fui muito ligado a movimento e nossa casa tem essa dinâmica. A palavra movimento, aliás, me define em vários aspectos. Por isso acho que sou tão urbano. São Paulo me fascina e Nova York me enlouquece. Minhas ligações todas têm essa característica do movimento, no teatro musical, na cidade. Dificilmente você vai ver minha casa vazia. Movimento é o que me transforma. Obviamente que, quando mudamos, o Fernando perguntava onde é que íamos colocar todos os bonecos [de uma coleção com centenas de exemplares Funko Pop]. Por que é boneco que não acabava mais. Quis fazer uma porta tipo uma cristaleira e inventamos essa porta, onde fica a coleção de bonecos.
P: E você também adora design?
TA: O design está muito ligado a minha personalidade de libriano, que gosta do que é belo, do que é estético. Tudo na minha vida, desde o meu caderno que tinha desenhinho, adesivos e coisas lá na infância, até objetos e espaços, é assim. É uma característica que briga um pouco com meu lado desorganizado. Então, graças a Deus, tenho um marido que é muito organizado, consigo enxergar o belo, mas ele, na verdade, usa da organização para deixar tudo ainda mais belo. O Fernando tem esse dom. Sou muito colorido, gosto muito de cor, então a gente pensou muito nisso dentro da estética do apartamento. Vamos fazer uma caixa cinza, com teto, chão, janela, tudo cinza, tipo bem no color, e os objetos são a própria cor.
P: E tem muita arte também?
TA: Tenho uma ligação familiar porque minha mãe é artista plástica, ela gosta muito. Lembro-me de um móbile cheio de quadrados e triângulos de acrílico, tipo o que usamos nas fotos. Sempre tive ligação com a arte, desde que nasci. E tenho um lado da magia também, da fantasia, do universo fantástico. Isso me fascina muito.
P: Mas você tem uma versão mais natureza também, de gostar de se refugiar.
TA: Por isso decidimos ter um sítio e o lugar é muito especial. Chegamos a olhar em condomínios, mas não condizia com a ideia de isolamento, de privacidade. Procuramos, procuramos e no dia da visita, seguindo a sugestão do corretor, o Fernando foi, apesar de eu não poder ir. E era o lugar exato que buscávamos. O nosso apartamento também tem uma história assim. No dia da visita, não pude estar. O Fernando entrou no apartamento, se encantou, fez uma vídeochamada, eu olhei e disse: “É ali”. Antes de chegar no apartamento, já sabia que era lá. E aconteceu a mesma coisa no sítio.
POP-SE Você é um cara de fé?
TA: Acredito que há experiências que não conseguimos explicar. Simplesmente sentimos. Quando você consegue se conectar com essa energia, com esse lugar mais sensorial, seja dentro de uma religião, ouvindo uma música, vendo um quadro, balançando numa rede, fazendo uma comida, isso está posto. Existem movimentos e energias que não têm explicação. A ciência pode até explicar o processo de como acontece, mas a sensação não tem como explicar. Sabe quando você é convidado para comer na casa de alguém e aí, pelo paladar, na boca, lembra no ato da sua avó ou de alguém muito querido? Tem coisas que não têm explicação. É um vínculo afetivo materializado, neste caso, em uma refeição. Acredito muito na vida a partir desse lugar do que não é totalmente explicável.
“A palavra movimento, aliás, me define em vários aspectos. Por isso acho que sou tão urbano. São Paulo me fascina e Nova York me enlouquece”
P: Tem uma religião?
TA: Não. Tenho uma ligação com a umbanda e com o candomblé muito forte. Gosto muito. Mas fiz primeira comunhão, seguindo o cristianismo, estudei em colégio católico, minha avó era kardecista e o meu avô é judeu. Na religião, também sou desse lugar que é não estar dentro de uma caixa. Alguém que acredita que as energias estão em tudo. E acho que o que é importante é o que vem de dentro para fora. A maneira de eu me conectar em uma igreja evangélica, por exemplo, se isso me fizer bem, não necessariamente significa que sou evangélico, mas que aquele momento foi importante e bom para mim. Assim como a base do tambor numa gira, assim como um som da música que também amo e com a qual muitas vezes medito na hora de dormir. Gosto de viver tudo isso.
P: Faz alguma prece, tem algum ritual antes de entrar no palco, por exemplo? Alguma superstição?
TA: Já tive. Cada momento e cada lugar do palco também é uma escolha. Na época do Tim Maia, usava muito cueca vermelha para fazer o espetáculo.
P: Mas boa parte do figurino era branco.
TA: Branco e prata e eu dizia: “Tô nem aí se aparecer”. E tenho algumas manias e superstições. Mania de só entrar no avião com o pé direito e ir encostando na porta do avião. Tenho que botar a mão do lado de fora e pisar com o pé direito em qualquer viagem.
P: Mas aprendeu com alguém ou você criou?
TA: Criei. No palco, agradeço e sempre boto a mão no chão do meu axé, olho para os músicos, para público e agradeço por estarmos conectados. Gratidão é o que sempre quero exercer. E quando deixo de agradecer por alguma coisa, fico muito mal. Volto e agradeço. Ligo de novo e falo obrigado.
P: E sonhos?
TA: A minha vontade de ter um parque de diversão em casa tem a ver com essa possibilidade de materializar o que parece ser impossível. Sou da filosofia do Walt Disney, que dizia que se você pode sonhar, pode realizar. Não necessariamente do jeito que gostaria, mas talvez entenda que o processo vai chegar a um ponto de ter consistência. Sou alguém que sinto espiritualidade aflorada e também acredito muito na intuição. E todas as vezes que eu não ouvi a minha intuição, alguma coisa diferente aconteceu, mas graças a Deus, na maioria das vezes vou checar lá na intuição.
P: Ainda sobre a fé, você acredita num Brasil pós-atual governo?
TA: Necessariamente acredito, porque entendemos, espero, que não se pode confiar a tarefa de governar a qualquer pessoa, só porque nos traumatizamos com outra. Não dá mais para ser polarizado da maneira que está. O que aconteceu para termos quem está no poder hoje foi porque era como se só houvesse essa opção para tirar o que a maioria não gostava, não queria. Acredito, sim, no Brasil pós, mas o que realmente torço é para que as pessoas tenham mais consciência. Falo isso me colocando também nesse lugar. Ainda que tenho muito que aprender sobre política e chegamos num ponto que é sobre as questões humanas e de humanidade.
P: Por quê?
TA: O que temos vivido mais recentemente é desumano. Não dá para alguém acreditar que é possível que o cara esteja lá e que fique tudo bem. Não, não aceito, não consigo acreditar. Porque ele já dizia o que era, não tem nenhuma surpresa nisso. Só que é muito pior do que podíamos imaginar. O que mais me assusta é que ele sempre mostrou quem era. Não é que está mostrando só agora. Sempre foi assim e as pessoas deixaram ele chegar lá. Agora, é mais sobre o que estamos fazendo para mudar isso.
P: E é urgente.
TA: É tudo muito triste. O importante seria entender que não é sobre ir contra o governo. Colocou-se uma pessoa para comandar o país e gostaríamos de acreditar que ela comandaria, que pudesse dar certo de alguma forma. Mas essa figura, essa pessoa não é capaz de comandar um país nem de representá-lo pelo bem de todos. Acredito no país, na transformação do país, mas agora já sabemos que essa pessoa não faz o menor sentido por mais que se queira que o Brasil melhore. Não faz sentido.
@tiagoabravanel