ALOK – ALL THE LIGHTS WILL GUIDE THE WAY

Com O futuro é ancestral, seu primeiro álbum, o DJ e produtor Alok faz música com os povos indígenas, garante que nada pode ser mais high-tech do que a Amazônia e diz que a fé e o divino
têm a ver com o coração vibrando na sintonia da satisfação

Direção_Allex Colontonio + André Rodrigues | Por_paula lima | Fotografia_Victor Affaro Beleza_Rosangela Teixeira De Araujo | moda/styling_fran piovesan
jaqueta salva-vidas_rafael chaouiche | moulage plástico_Anderson Neves
moulage acrílico_Diego Motta
Triângulo acrílico_Acrilmarco | Produção_Felippe Chagas Assistente de fotografia_Bruno Conrado | Retoucher_Marcelo Calenda

Logo no começo da conversa emocionante que tivemos com o DJ e produtor musical Alok, não resisti à tentação de pilhar a versão mais romântica revelada pelo músico sobre o próprio nome. Quando ele explicava que Alok significa luz em sânscrito deixei escapar que foi exatamente o que percebi, uma criatura iluminada, quando o vi à distância, no shooting para esse ensaio de Pop-se. Na real, ao encontrar pela primeira vez um personagem antes familiar apenas via telas da TV e do telefone, parecia que eu estava assistindo, ao vivo, a um daqueles filmes radiantes sobre a figura e a vida de Cristo. Ao invés de guardar  observação tão sem filtros, compartilhei, na vibe boa, essa percepção com Alok, que nos disse coisas maravilhosas ao comentar, por exemplo, que não teve fé o suficiente para se manter ateu.

Dos nomes mais importantes da música eletrônica no mundo, Alok é um fenômeno global desde 2016, quando Hear me now, que ele fez com Bruno Martini e Zeeba, virou hit e entrou para a história da música, reverberando familiar em qualquer canto do planeta. O filme oficial da composição contabilizava, em março de 2022, mais de 400 milhões de visualizações tamanho o alcance e a repercussão do tipo de som ao qual o músico se dedica. De números e conquistas superlativos, com quase 30 milhões de seguidores no Instagram, Alok tem música no DNA. Os pais, Ekanta e Swarup, pioneiros da psy trance, o trance psicodélico à lá Índia dos anos de 1980, estão entre suas principais referências.

Com apresentações espetaculares para multidões ao redor do mundo pré-pandemia, Alok personifica a própria imagem do que é mais high tech na paisagem sonora. Inclusive por isso, tem reafirmado que não há maior recurso tecnológico que a Amazônia, um lugar, um propósito e também uma fonte de inspiração para o seu primeiro álbum autoral, O futuro é ancestral. Quase pronto, tem previsão de lançamento para maio de 2022 e sai junto com um documentário homônimo.

O novo trabalho marca a parceria de Alok com povos indígenas das etnias Yawanawá e Huni Kui, com quem o DJ se apresentou direto da floresta no Global Citizen Live, um projeto de ação filantrópica que convoca governos, empresas e cidadãos para trabalharem juntos na defesa do planeta e no combate à pobreza.

A conexão com os povos indígenas e o interesse pelos sons da floresta não são recentes. Depois de uma imersão na aldeia Mutum, em Tarauacá, já com os Yawanawá, Alok lançou uma música sobre os rituais indígenas em 2015 e, no ano seguinte, publicou, nas plataformas digitais, um documentário de 21 minutos para registrar a experiência. No ano passado, na véspera de completar 30 anos, em agosto, foi a um acampamento indígena em Brasília para disponibilizar prestígio, visibilidade e apoio a uma causa urgente, a demarcação das terras indígenas. Quando perguntamos se O futuro é ancestral é o p

rojeto musical de sua vida, Alok explica cuidadosamente que não poderia ser porque se trata de algo muito maior, incomensurável, do qual ele apenas faz parte, segundo diz.

Além do sucesso que fez do músico nascido em Goiânia e radicado em São Paulo um superstar na cena pop internacional, Alok tem outras marcas registradas. Junto com o carisma e a energia criativa mais pulsante, é daquelas pessoas que se destacam pela inteligência sensorial, determinada pela experiência da reflexão. Perguntado sobre as fontes em que bebe ou lê para entender com tanta sensibilidade dos temas que lhe são caros, admite sinceramente que tem dificuldades para se concentrar na leitura e nos livros e que tudo que aprende e apreende é a partir da própria vivência. Jamais decora um texto, por exemplo, se o roteiro assim indicar. Prefere sempre entender o que precisa ser dito para dizer à sua maneira.

Assim, entre a intuição e o coração, diz, é protegido por um bonde de anjos da guarda, orixás, caciques. “Bora”, convida, com convicção, todas as falanges de luz. Impossível não cantarolar, quase inconscientemente, all the lights will guide the way, de Hear me now. Mas nem sempre foi assim. Como personagem célebre da época digital, Alok já circulou em um vídeo viral contando a história da senhora cega, estômago amarrado para despistar a fome, que ele encontrou em suas andanças pela África, em favor da ong Fraternidade sem Fronteiras. No meio da miséria e da fome, cismou de questionar a existência de Deus e do divino, que, se existisse mesmo, não permitiria, na percepção dele, tamanha barbaridade com humanos. Faminta, sem enxergar e sem ter contatos regulares com outras pessoas durante dias, a idosa africana explicou a Alok que sim, Deus existia, que ela conversava com ele todos os dias e que a presença deles ali era inclusive uma aceno dadivoso que provava o que ela estava dizendo. Para Alok, foi aquele momento de iluminação, com emoção transformadora ao ponto de mudar parâmetros e prioridades. Ele ficou tão grato pelo aprendizado que se empenhou no diagnóstico para descobrir que a catarata da qual a idosa sofria era reversível. Interferiu para que ela voltasse a enxergar. No ano seguinte, os dois, ele e a senhora, se viram, olhos nos olhos, pela primeira vez numa imagem, registrada em foto, tocante e  potente o suficiente para entender uma fantasia – ou realidade – fascinante para Alok, que gostaria de ter o poder da cura, conforme revela nesta entrevista. Leia os principais trechos a seguir.

POP-SE: Verdade que foi o famoso guru indiano Osho quem indicou seu nome?

Alok: Tem a história romântica e a verdadeira, qual você quer saber?

P: As duas, claro. E o significado desse nome em ambas, por favor.

A: A história romântica, que sempre quis ter durante uma vida inteira, foi a de que a minha mãe foi lá e buscou esse nome com o Osho, o guru. Aí o meu nome significa luz e do meu irmão [Bhaskhar, gêmeo bivitelino de Alok, também DJ] significa sol. Mas na verdade, como descobri depois, o meu nome tem dois significado. Em sânscrito, é luz. E também quer dizer que não é deste mundo. Aí, beleza, acreditei nisso a minha vida inteira e saí falando nas entrevistas que era assim. Até que minha mãe veio falar que não era bem assim e que, na verdade, os nomes eram usados artisticamente por dois tios. Somos um plágio, entendeu?

P: Mas você é de outro mundo mesmo?

A: Às vezes eu me sinto, sabia? Agora, nesse trabalho com os povos indígenas, recebi dois nomes. Um significa luz do sol, que é uma luz fora deste mundo. E o outro, que recebi do povo Yawanawá, também foi sol. E nunca havia compartilhado nada com eles, que nem sabiam o que meu nome significava.

P: Além de iluminado e solar, você é uma pessoa espiritualizada?

A: Fui ateu por muito tempo. Questionava aquele Deus no qual fomos ensinados a acreditar, num contexto em que não conseguia aceitar várias coisas. E o grande ponto é que não tive fé o suficiente para me manter ateu. Vi tanta coisa acontecer na minha vida, tive tantas provas de que é muito mais do que somente essa matéria, essa vida, que para mim tudo começou a despertar. Primeiro, quando tinha nove anos, estava correndo e olhei para as estrelas. “Cara, o que é que tem ali? E o que tem depois dali?”, perguntei. Comecei a entrar numa paranoia – do que é o finito e o infinito. Parecia que ia ficar louco, de verdade, ao entrar nesta pira. Com 12 anos, tive uma depressão profunda, de querer me matar. Minha mãe me levou para um pai de santo e foi muito legal. Comecei a entender que alguma coisa existia ali. Mas sempre questionando. Aos 16 anos, tive outra depressão porque ficava me perguntando o que acontecia depois da morte e não havia uma resposta. E eu era ateu. Ficava sempre tentando anestesiar isso. Só que quanto mais se nega mais a sombra vai crescendo. Aos 24, veio a maior depressão, a pior de todas, porque ali realmente estava num buraco. Aí fui olhar pra mim, porque naquele momento, com 24 anos, eu era, já há dois anos consecutivos, o número um do Brasil. 25º, 44º do mundo, sei lá. Tinha popularidade, fama, dinheiro, festas, tudo que as pessoas diziam que era sucesso. “Cara, se esse é o sentido da vida, a vida para mim não tem mais sentido”, eu me dizia. E entendi que tinha que mudar a pergunta. Não era sobre o que vem depois da morte, mas é o porquê de estarmos aqui. Então por que estou aqui?, me perguntei. Aí, fiz uma primeira viagem para aldeia Yawanawá. Não sei quantas horas de avião, depois mais treze horas de carro e nove horas com uma canoa voadeira. Fiquei dez dias com eles. Estava em busca de inspiração.

P: E como foi?

A: Eu tinha um olhar de julgamento, de que existiam culturas mais e menos desenvolvidas e tal. Queria saber como é que eles faziam. Chegando lá, entendi, primeiro, que não existe cultura mais ou menos desenvolvida. Existem valores diferentes e objetivos diferentes. Segundo, que passei a entender a relação com a natureza. E depois vi que, na verdade, eu era o grande miserável porque enquanto estava fazendo música para funcionar numa indústria eles, os indígenas, estavam fazendo música com sons ancestrais para curar. Ali, mudei muitos valores na minha vida e passei a ter outro olhar.

P: E foi um detox total – digital inclusive, afastado das suas redes?

A: Não tinha nada disso naquele momento. Fica a uns 100km do Peru. Um lugar em que eles caçavam para se alimentar. Agora está diferente. Meu pai foi tentar fazer esse detox, mas agora é mais first class. Já tem um barquinho e toda uma estrutura. Quando fui, tinha que acampar, usar rede e tal.

P: Mas você continou buscando respostas depois dessa experiência?

A: Depois, fui em busca de uma outra jornada, na África, a convite de um amigo meu, Andrei Moreira, que é médium, já escreveu vários livros, foi presidente da Associação Médico-Espírita do Brasil e é um dos fundadores da Fraternidade sem Fronteiras. Chegando lá, vi um desastre, um campo de guerra. Você pousa em Moçambique, depois vai para a província de Chócue e segue para uma vila nessa região. Foi onde vivi essa história que já contei ao conhecer uma senhora cega que tinha amarrado o estômago para não sentir fome por estar há três dias sem comer. Vi aquela situação, aí perguntei sobre ela. “Eu estava orando a Deus para pedir ajuda”, ela respondeu. Aí, revoltado, pedi para traduzirem o que eu tinha a dizer: “Fala pra ela, traduz pra ela, que Deus não existe e que Deus a abandonou porque se Deus existisse, isso aqui não existiria”. O tradutor falou e ela respondeu. “Não, não, eu estava conversando com Deus.” Aí, naquele momento, mais uma vez, entendi que ali eu era o grande miserável.

P: Por quê?

A: Enquanto eu tinha tudo e estava questionando, ela, naquelas circunstâncias, estava muito mais conectada com o divino do que eu. E Deus nunca a abandonou. Estava muito presente. Quem a abandonou fomos nós. Naquele momento, falei: “Não abandono mais, agora eu entendi”. Foi quando finalmente me conectei, real, com divino. Para minha vida, saca? Porque com os Yawanawá eu havia me conectado com a floresta, com a natureza e tudo aquilo, mas ali, eu disse “wow!” . Entendi que jamais iria mudar o mundo, mas poderia mudar o mundo daquelas pessoas e aí começou o trabalho. Quando cheguei lá, o projeto atendia 1.200 crianças e hoje são de 20 mil. Expandiu pra caramba. E depois de um ano, voltei para lá. Também interferi para fazerem uma cirurgia de catarata, que era o diagnóstico daquela senhora. A cegueira era reversível e ela nem sabia. Um ano depois, ela me viu pela primeira vez. Tenho umas fotos e nos emocionamos demais. Ela ficou dançando comigo. Foi lindo. E o mais louco é que ela ainda fez graça. “O que mais me deixou feliz não foi o fato de agora eu ter comida todo dia, mas de alguém vir trazer comida e fazer contato porque eu estava muito isolada.” Naquele momento, percebi realmente que precisamos alimentar a alma também. Às vezes ficamos a vida inteira do lado de pessoas que amamos, alimentando fisiologicamente, mas esquecemos talvez de nos conectar genuinamente, profundamente.

P: Para transformar.

A: Isso é muito louco. Parecia que tinha florescido. Quando fui para aldeia Yawanawá, sete anos atrás, eles estavam num momento difícil, de resgate, por causa da intervenção do homem branco. Estávamos tentando buscar a essência, a beleza, o senso de pertencimento da juventude. Agora, que nos reencontramos no estúdio para fazer música, eles começaram a cantar e eu só chorava. Por viver justamente esse pertencimento. Foi a coisa mais linda do mundo. “Quando é que vocês fizeram essa música? Por que dessa eu não lembrava de sete anos atrás”, perguntei. Aí, eles responderam: “Pelo que a gente se lembra, essa aí tem uns 500 anos”. Outra coisa, eu disse, é que muitos de vocês eu não conhecia, prazer e tal. Aí eles me corrigiram, dizendo que se lembravam de mim, mas eram muito pequenos na época. E conseguiram aquilo que eles queriam, que era fazer com que o jovem voltasse a ter esse lugar de pertencimento por meio da cultura deles.

P: E tudo isso tem a ver com ancestralidade também. Pode falar sobre isso?

A: Por isso o álbum se chama O futuro é ancestral. Ao fazer as músicas com os indígenas, essa mistura meio nature tech, já que o tech é o que tenho, vou reconectar. É meu primeiro álbum e foi ali que começamos esse trabalho. É para ressignificar o imaginário coletivo. A forma como lidamos, não só com os povos indígenas, mas com a natureza e com o mundo como um todo porque eu entendi que os cantos indígenas, na verdade, são os cantos das florestas, os cantos ancestrais. É isso. Eles só traduzem. O que quero fazer agora é que as pessoas sintam o que senti com a música deles. Você não precisa entender a língua para sentir. Então, como fazer com que as pessoas ouçam o que a floresta tem a dizer a partir dos cantos indígenas?

P: E porque o futuro é ancestral?

A: Sabe esse lugar do imaginário coletivo de que falo? Não sei como é para você, mas para mim aquele futuro apocalíptico em que tudo que existe é cidade, carro voador, tudo neon, não funciona. Por que o futuro não pode ser daqui a 50 anos, no meio da Amazônia, com um barquinho rolando normal, e o indígena lá? Aí tira um aparelho mega sofisticado e rastreia os pássaros. Às margens do rio, vários centros de pesquisa científica superintegrados com a natureza. Por que não pode ser assim? Esse é o ponto. O futuro tem que vir desse imaginário e é esse o trabalho que estou tentando fazer. A natureza como o lugar mais sofisticado, mais valioso do planeta.

P: Por isso você diz que não existe nada mais tecnológico do que a Amazônia?

A: Não existe. O homem pode avançar o quanto for com a ciência, com tecnologia e nunca vai conseguir fazer o que acontece na Amazônia. Nunca. É uma obra divina e perfeita. Jamais conseguiria reproduzir o que observei. Estive lá durante uma seca bem forte. No momento em que começou a chover um pouquinho, observei no rio um processo como se fossem umas rajadas de mármore. “O que é isso?”, perguntei. Como estava baixando o nível da água, muitas plantas ali acabam liberando substâncias que deixam vários pontos da água sem oxigênio. Então, era o próprio rio limpando para continuar mantendo a vida. Impossível ser tão perfeito. E aí, quando sobe, todas as árvores dão frutos, as aves e os peixes se alimentam. Depois desce de volta para o rio e sustenta outro rio. É muito louco. Por isso acho que é o lugar mais tecnológico do mundo. Esse é o conceito que queria que as pessoas entendessem, sabe? Não é ”desmata aí pra gente”.

P: Enxerga similaridades entre esses sons ancestrais e o som super tecnológico com o qual está habituado?

A: Muitas similaridades. No meio da floresta, há vários sons de pássaros, de macaco, de animais que me faziam pensar nos sintetizadores. Tipo “como assim, não acredito” . Aí pensei que muita coisa que se aproxima é para que sejamos sinceros. Essa troca, de perceber os sons e as similaridades, é impressionante.

P: E onde entra o som como cura, como você diz?

A: Fui em busca de frequências sonoras hertz que trazem a sensação de cura, emocionam, estimulam o bem-estar. Aí, teve a frequência 522 hertz e teve a 1484 também. Agrego um som que parece uma nave espacial, bem orgânico. E em todas as músicas, coloco um fundo tentando pensar exatamente nessa cura emocional. É uma missão difícil pegar vozes ancestrais e não estragar ao fazer um trabalho assim. É uma responsabilidade. Mas conseguimos unificar muito bem, tanto esse nature tech de que falo, como o material que gravei para eles, os cantos tradicionais, com uma centena de músicas para que eles tenham isso como um ativo para as próximas gerações.

P: Que venha a cura então.

A: Olha que louco. Em 2019, fui convidado para me tornar um personagem do jogo FreeFire, que é o mais acessado no mundo todo. Quando me perguntaram qual super poder eu queria ter, foi exatamente o que eu aprendi com os índios. “Posso curar as pessoas?”, perguntei. Ótimo então. E esse personagem virou best-seller, o mais vendido. Não por causa do bigode nem porque é o Alok, mas por causa dessa habilidade. No Brasil, na Índia, Tailândia, Indonésia, no México, no mundo todo, o jogo bombou demais. Pela primeira vez, vários pessoas estavam tendo a oportunidade de jogar, inclusive os indígenas. Fiz agora um campeonato em que separei mil vagas só para times indígenas. Muitos dos indígenas não conheciam o Alok, mas conheciam o personagem. Então, nem sabiam se era real ou não. Quando digo a eles que o Alok, o personagem bombado, tem a habilidade da cura por causa dos povos indígenas, eles começam ver esse lugar de representatividade. Eles não se vêem no jornal, eles não se vêem como atores, eles não se vêem.

P: Como é conviver, ter um processo criativo com povos indígenas?

A: Cada dia é um aprendizado. Mas tivemos a experiência de uma imersão no estúdio durante um mês e pouco, da qual saíram todas as músicas. Tinha um caldeirão ali. Aí, fomos montando e as coisas foram saindo de um jeito muito lindo. Foi uma parada mágica, saca? Quando penso “vou fazer um hit”, posso passar dez anos tentando que não vou conseguir. Fiz 30 músicas e nenhuma virava porque não é assim que sai um hit. Nesse novo álbum, tudo foi fluindo. Parecia que tinha uma energia ali fazendo com que as coisas acontecessem de uma forma muito fluída.

P: É o projeto da sua vida?

A: Por que acho que não é esse o projeto da minha vida? Porque não é para mim. Ele é muito maior. Sou só um instrumento para relembrar algo muito maior, do qual só faço parte. Aí, me sinto muito mais forte porque tem muita coisa acontecendo junto.

P: Em que fontes você bebe, o que lê para construir esse tipo de conhecimento?

A: Não tenho o hábito de ler muito, mas sou bom de ouvir. Ouço e capto. Tanto que quando preciso decorar, memorizar algum texto, é mais pelo que lembro da forma como foi dito. É porque realmente passa a integrar a minha experiência individual, singular, sobre tudo que estou falando. Estou no lugar de aprendizado e às vezes não consigo falar e vou dizendo sobre aquilo que vivi. Há coisas que não sei responder porque dependeriam de reproduzir um discurso que não é o meu. Tudo o que falo nada mais é do que a história da minha vida. Não tem nada diferente disso e não tem nada mais intelectual que isso. E tudo pode ser muito mais simples porque você viveu aquilo e entendeu. É sobre a minha experiência mesmo.

P: Você já sofreu retaliações nas redes também ao compartilhar experiências e aprendizados.

A: Sim. Ainda na experiência em Chócue, na África, compartilhei e postei a história de uma criança pedindo ajuda porque ela tinha um tumor, que hoje está resolvido porque a trouxemos para o Brasil e fizemos tudo. Naquele momento, recebi muitas críticas falando que estava no papel do branco salvador da pátria. Mas não estava querendo isso obviamente. Só que entendi que estaria naquele lugar por todo o nosso histórico e isso acaba incutindo nas pessoas esse sentimento. Precisava, de novo, ressignificar e entendi tudo, inclusive essa percepção do movimento negro. Foi muito legal porque depois de muito tempo, que continuamos o trabalho, eles já me pediram desculpas e isso tudo é super público, conectado, porque aprendemos juntos. Não é aquele influencer que vai lá e posta selfies e ganha like. Mas foi um grande aprendizado e tem várias coisas a aprender nessa “retaliação”. Gosto daquela frase que diz que às vezes a gente acerta e às vezes a gente aprende. Não erra nunca, a gente aprende.

P: Você tem um guru, segue alguma tradição religiosa?

A: Não tenho um guru, não tenho uma religião e sou aberto a tudo. Um mais nove é igual a dez, cinco mais cinco é igual a dez e três mais sete é igual a dez. O que digo é que existem vários caminhos para chegar no mesmo resultado. Nesse caso, dez seria o divino, Deus e tal. Acho que o mais importante é que não haja intolerância religiosa. É esse lugar do acolhimento de que falo.

P: A música é sua religião?

A: Tem uma frase que vi esses dias, que é atribuída ao John Lennon, que dizia o seguinte: “Estive em todos os lugares e só me encontrei em mim mesmo”. Quando alguém pergunta ”Ah, então foi uma depressão que te levou ou foi aquilo que te levou?”, digo que sou pautado pela música. A música me direciona. Esse álbum com os indígenas é uma questão da música e depois vou entendendo todo o conhecimento deles. Tudo acontece por meio da música.

P: O que pensa sobre o lugar que você ocupa?

A: Às vezes, estou muito perto do quadro e só vejo um borrão. Aí, quem está longe, fala que tem uma árvore, uma paisagem e tal. Sabe aquele aquário ali [apontando para o aquário]? Estou naquele aquário. Não tenho a dimensão do que é e nunca leio comentários nem positivos nem negativos. Por que não quero que o comentário positivo me iluda ou que eu me apegue aquilo. E não quero que o negativo me atrapalhe. E o muito negativo eu até entendo, muitas coisas que faço podem gerar críticas e é preciso dar tempo para as pessoas digerirem. Just let’s go. Uso meu coração como guia naquilo que acho que deve ser.

P: Em algum momento, você falou o “meu pai de santo”…

A: Tenho um pai de santo, tenho um pajé e estou protegido por uma galera, um bonde está comigo aqui. Quando vou fazer uma oração, peço aos anjos da guarda, aos mentores espirituais, aos orixás, aos ancestrais. “Bora” todo mundo, chega aí. Mas quando perguntei pra ele, o pai de santo, qual era caminho certo, e se, pô, já tá tudo predestinado, aí ele falou: “Alok você nem precisava ter jogado isso aqui [o jogo de búzios] , nem precisava fazer nada. Se você sente o seu coração vibrando em um lugar de satisfação esse é o caminho. Agora se você sente aquela angústia que aquele lugar não está certo, então não é o caminho. Você é o seu radar, é só segui-lo.” E para mim isso foi tudo.

@alok