Um jardim para ser, estar, flanar, se perder, viver – e até para vestir. Com ares de floresta que exorcizam qualquer traço metropolitano, este pequeno éden a poucos passos do maior centro financeiro do País é mais um petardo da explosiva grife Luiz Carlos Orsini
Por_Allex colontonio
Fotografia_Marco Antonio
Flower Artist_Gabriela Nora
Make up_Luis Cambuzano
Modelo_Carol Groderes (Elo management)
No blá-blá-blá informal do nome-fantasia, aquele que antecede as patentes e razões sociais, algumas assinaturas se tornaram tão expressivas que acabaram virando sinônimo de seus labels associados à ideia de uma qualidade insuperável. Sabe aquele comentário coloquial que diz coisas do tipo: “O carro é bom, mas não chega a ser uma Ferrari”; ou “aquela geladeira não é uma Brastemp”; “Ele é legal, mas não é essa Coca-Cola toda”? Nos bastidores da vaidosa seara arquitetônica brasileira, já começamos a notar balõezinhos de personagens cartunescos com falas do naipe “ele mora numa Kogan”; “fulano comprou uma Isay ali nos Jardins”, referindo-se às joias imobiliárias como aquisições de obra de arte – “Ela tem uma Varejão”; “Beltrano comprou um Damien Hirst”, “Você viu a Leda Catunda dele?”.
Lá no quintal, esse status quo também começa a ocupar seu lugar ao sol. “Você precisa ver o Orsini do cara”, comentou um importante empresário do trade sobre um projeto assinado pelo paisagista que, já há algumas primaveras, ocupa o pódio de sua arte. Ele tem razão. Ao lado do bambambã Alex Hanazaki, nosso Luiz Carlos Orsini, autor da babilônica área verde do Inhotim, maior instituto de arte contemporânea a céu aberto do mundo, divide o posto de melhor paisagista do Brasil nas rodas que mais movimentam o setor. Há controvérsias? Não que eu saiba.
Esse mineiro de fala mansa e astral vibrante, querido por todo mundo (você precisa conhecê-lo de perto para entender), cabelos platinados, porte atlético, trepadeiras tatuadas no braço, sessentão com shape de quarentão, disposição de vintão e talento de um milhão, fez de sua marca uma grife frondosa feito um Ipê, tipo objeto de desejo mesmo. Tudo dentro da poética que mais comove quem tem o privilégio de contemplar de perto uma paisagem desenhada por ele: a simplicidade. Lá estão as espécies voluptuosas, exuberantes, que nos cooptam de volta às raízes e nos (re)conectam às melhores memórias afetivas, dispostas de um jeito só dele. Nessa amálgama onde nada tem a pretensão de parecer aquilo que não é, vemos uma coreografia virtuosa de pitangueiras que dão pitanga; limoeiros que dão limão; jabuticabeiras que dão jabuticaba; chorões que choram; alecrins, manjericões roxos, inhames pretos, taiobas furta-cor e palmeiras altas. Molduras de capim dourado serpenteiam degradês de verde que lembram os pintados por Monet. E, no fim de tudo, um espetáculo construtivo (o paisagismo é um dos engenhos inaugurais do homo sapiens dentro do conceito de habitação), que começa com um jogo de espelhos estonados/escuros que multiplicam toda a cena e potencializam a profundidade, passeiam pelo deque escultural ladeado por manchas de vegetação rasteira (grama-amendoim e afins) e terminam em muralhas de biriba (cerca feita com galhos da mesma árvore que dá origem ao berimbau da capoeira) que corta o barato dos vizinhos e também “garra” num conforto acústico, além de dar match com todo o elã natureba da coisa.
Todo esse paraíso privê brota em logradouro privilegiado no arborizado bairro dos Jardins, a algumas passadas largas da Avenida Paulista, um dos centros financeiros mais frenéticos do planeta. Mas, do portão para dentro dessa casa com pedigree de Vilanova Artigas e Carlos Bratke (com décor recente de Fernando Piva), a sensação é a de que estamos numa cabana do interior. Daí a ideia de pousar por lá essa bela Ninfa (divindade feminina na mitologia grega, que habitava os lagos, rios e bosques, geralmente associadas à luxúria pelos sátiros), vestida com espécies botânicas que poderiam ter sido colhidas ali – criação em moulage (técnica de construir a vestimenta no corpo) da flower artist Gabriela Nora.
De volta à edificação de dois andares – ambos contornados por áreas verdes generosas –, o endereço funciona quase como uma vitrine do jardim. “A construção tinha uma história por trás, grandes profissionais mas, por falta de conhecimento, acabaram passando cimento em tudo. Só sobrou a jabuticabeira”, conta a dona do pedaço, adoradora de Monteiro Lobato, que encomendou ao mestre aquilo que chama de “Pocket Floresta”, mas sem folclores do Sítio do Pica-Pau Amarelo. “Esse tal Orsini faz poesia com as plantas. Li o livro dele de cabo a rabo.”, lembra. “O jardim não deve vir depois, mas antes mesmo da casa. Cresci ouvindo que manda quem pode e obedece quem tem juízo. Descobri que quem podia mesmo é a natureza e desde então passei a enxergar as construções como observatórios dos jardins. Por algum motivo, as plantas me acalmavam, me davam segurança, transmutavam meus sentimentos”, diz. Faz sentido, afinal, Mário de Andrade já disse que “sem folha não tem sonho, sem folha não tem vida, sem folha não tem nada”. Talvez por isso, tanta gente sonhe com “um Orsini” para chamar de seu.
Esse tal Orsini faz poesia com as plantas