A viga mestra

O rigor geométrico de Guilherme Torres desnuda a arqueologia de uma casa tipicamente setentista em São Paulo a partir dos vestígios do que um dia já foi. Para os novos tempos, roupa nova e bem fresca e um jardinzão assinado pelo mestre Alex Hanazaki

Por_Giovanna Gheller
Fotografias_Denilson Machado (MCA/EStúdio)

Quem costumava passar por esta residência no Jardim Guedala, em São Paulo, coté do Morumbi recheado de mansões de novela das 9h (que um dia foram das 8h), talvez não reconheça seu novo visual depois que Guilherme Torres, um dos arquitetos mais bambas – e zero bambo – de terras brasileiras, passou por ali com seu traço firme. Os bons ventos soprando forte a seu favor – a proximidade com o casal de clientes facilitou em porcentagens inestimáveis o dia-a-dia de estudos – desvendaram uma sólida estrutura que entregou o ouro para atualizar a casa mais de 40 anos no tempo.

Por conta de orçamento e tempo limitados (duas das mazelas que representam os piores pesadelos de 11 em cada 10 arquitetos), a renovação de seus três níveis, tijolos aparentes e ambientes herméticos foi feita com poucos materiais – uma característica pulsante de GT – e bastante critério. Um dos primeiros pedidos foi por mais luz e fluidez entre os ambientes. As paredes da sala de almoço, da cozinha e do estar/jantar, no térreo, vieram abaixo, assim como no pavimento superior, onde dois quartos se converteram em um maior para o casal e se juntaram às duas suítes destinadas às crianças (que, a título de curiosidade, nasceram no dia em que essas fotos foram feitas). A piscina, antes em um nível elevado nos fundos, tinha um formato orgânico que incomodava o profissional. “Não dava para enxergá-la do quintal”, explica. Logo de cara, decidiu-se que ali seria o lugar em que mais teria obras.

“Na reforma, me vejo mais como um intermediador: a casa em si é uma entidade e tem opinião”, diz. Por isso, em vez de sair trocando tudo, ele recuperou as esquadrias, pintou a madeira original de preto, fez um rodapé embutido e eliminou os beirais laterais e frontal, bem como a trepadeira que abraçava toda a morada, agora envolvida por um reboco externo. Os banheiros foram todos refeitos, assim como o piso. O novo, feito de um granito rústico de ótimo custo-benefício, é fosco e reveste toda a casa – inclusive dentro e fora da área da piscina – com um ar de sofisticação.

A informação arquitetônica foi redesenhada junto com a substituição dos sistemas de água e eletricidade. “O forro era todo de madeira, mas, como toda a tubulação estava por cima, tivemos que baixá-lo. Foi aí que descobri um presente: a estrutura inteira executada num módulo de vigas de 80 centímetros no andar de baixo, que aproveitamos na casa toda”, conta. Brotou a ideia da sequência de pilares repetida por todo o projeto, batizado, sem nenhuma coincidência, de Casa Paralela. “Foi como fazer uma arqueologia na casa: quando começamos essa investigação e descobrimos uma beleza escondida, o recurso do acaso fez da própria construção, inspiração.”

Do lado de fora, a série de linhas paralelas continua em uma sequência de colunas em estrutura metálica que mantém referências aos anos 1970, também percebidas nos móveis de alvenaria da parte externa, a menina dos olhos da composição. “Fizemos toda a ala de lazer na própria obra. Com isso, conseguimos dimensões ótimas de mobiliário e deixamos a casa com um visual permanentemente arrumado”, comenta, sugerindo ainda que os blocos de peças servirão como ótimos espaços lúdicos para os filhos do casal.

Para substituir o antigo visual de rancho, Guilherme estendeu a linha de concreto no lugar do peitoril nas sacadas dos quartos e criou duas floreiras com uma porção de jasmim amarelo bastante pujante. O paisagismo, aliás, ficou nas mãos de outro craque: Alex Hanazaki, que solucionou o muro dos fundos (mais exposto depois do rebaixamento da piscina) com um fechamento com bambu. Uma resposta que funciona tanto para a pouca metragem do jardim quanto para estabelecer uma verticalidade.

Na hora do recheio, quem assina o pacote completo com o arquiteto tem mais tempo para amadurecer as decisões relacionadas aos móveis, com um ou dois anos para trocar ideias. Mesmo assim, o resultado nunca é absoluto: pode (e deve) estar em metamorfose permanente. “Agrada-me que as casas tenham uma dinâmica depois que eu saio. Vou com a pessoa até um ponto, dou uma fórmula e, a partir dali, é com ela”, encerra.