visibilidade gorda

Uma capa de revista é boa, mas não é bala de prata: a construção de uma imagem social positiva é feita passo a passo, dia a dia, campo a campo

 

corpo magro nunca esteve em evidência tão positiva na história, seja na publicidade, nas inúmeras musas fitness ou nas manchetes. A magreza se tornou sonho de consumo e, de acordo com o discurso amplamente divulgado pela mídia, é sinônimo de felicidade, sucesso e prosperidade. Em contrapartida, há o reforço do estereótipo negativo do corpo gordo, um estigma que se intensificou nos anos 1990 com a preocupação global com o aumento da obesidade. “Homem gordo demais para sexo emagrece 110 quilos e surpreende”, “Verão sem celulites” e “Especial barriga chapada” são alguns dos muitos títulos que encontramos por aí todos os dias, o que nos leva a crer que a alegria se encontra em um baixo Índice de Massa Corpórea.

Na contramão dessa tendência, falar sobre problemas relacionados à pressão estética e gordofobia está (enfim!) em alta. O movimento body positive como um todo chegou ao Brasil há cerca de dez anos, mas é de cinco pra cá que vem ganhando forças. Em 2015, vimos a primeira mulher gorda em uma capa de revista de moda. Sem Photoshop e usando só um casaco da Prada e sapatos Miu Miu, a jornalista Juliana Romano estampou a Elle Brasil e suscitou esperança para aqueles que não se encaixavam nos padrões, em sua maioria mulheres. No ano seguinte, a 42ª edição do São Paulo Fashion Week, o maior evento de moda do país, trouxe modelos manequim 60 para as passarelas – um contraste e tanto com o 36 que passa por ali. Em seguida, a modelo plus size Fluvia Lacerda estampou a Playboy e tirou o debate do nicho fashion.

Hoje é possível dizer que vivemos num momento de crescente representatividade. É comum vermos veículos abordando a aceitação e a importância da quebra de padrões, o que nos estimula a ter um olhar positivo sobre o corpo e uma maneira diferente de pensar quando se trata de “feio” ou “bonito”. Agora, defende-se a beleza em todas as formas.

Mas está na hora de ir além. Um assunto urgente é a desmistificação da saúde dos corpos gordos. Gordura não é sinônimo de enfermidade. É preciso levar em conta que há outros fatores que podem causar disfunções e que o peso, sozinho, não representa indicativo de doença. Já os distúrbios psicológicos causados por ideais inatingíveis de beleza – anorexia, bulimia e a epidemia de intervenções, que surgem nos depoimentos das influencers retratadas nessas páginas – tampouco são discutidos como merecem nos meios de comunicação.

Tudo isso passa batido, uma vez que o grande vilão, segundo a imprensa e os médicos, é o sobrepeso. Muitas pessoas deixam de fazer consultas de rotina por sofrerem gordofobia médica. Afinal, antes de qualquer exame, já recebem a prescrição: “Você precisa emagrecer”. Falta acessibilidade para pessoas gordas nos hospitais e um atendimento humanizado por parte dos profissionais.

E estes não são os únicos ambientes que precisam ser revistos. Precisamos discutir políticas de acessibilidade na esfera pública e privada, como catracas, poltronas de avião e ônibus, vestiários, cadeiras em geral. Pessoas gordas viajam, trabalham, consomem. É preciso incluir os gordos em pautas diversas, como mercado de trabalho, saúde, viagem – já notou que eles raramente aparecem do pescoço para cima na televisão? Normalizar esse corpo (que faz parte de 53,8% da população brasileira, segundo o Ministério da Saúde) ajuda as pessoas a se enxergarem e enxergarem os outros como normais, que é o que elas realmente são.

É fato: o movimento vem ganhando cada vez mais espaço e abertura para erguer uma imagem social positiva. Mas ainda há um longo caminho de luta pela frente. É preciso garantir meios para que uma pessoa gorda seja quem ela quiser ser. Isso significa dar-lhe as condições necessárias também nas minúcias do mundo real – não só no Instagram

(Mariana Cyrne).

Preta Rara

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33 anos
@pretararaoficial

Eu comecei a expor minha opinião no Orkut. Tinha uma sede de falar o que pensava e tentar achar experiências de quem passava pelas mesmas coisas. Era uma busca desenfreada por quem eu sou e como me portar nesse Brasil racista e machista. As pessoas começaram a me seguir nessa época, dizendo que era aquilo que queriam transmitir, mas não sabiam como.

Percebi que tenho o poder de me comunicar com gente que nunca vi em lugares que nunca fui, onde meus textos e músicas chegam de alguma forma. Com o tempo, entendi também que cada indivíduo tem uma potência, que é muitas vezes cortada quando te impedem de falar ou quando você mesmo, por viver dentro de uma sociedade que impõe diversos padrões sobre seu corpo, não tem noção de quem é.

Demorei para entender o que é “essa tal da representatividade”. Quando eu era criança, minha irmã mais nova me imitava. Era algo que eu odiava, mas que agora entendo: ela se via em mim. É meu motivo para falar sobre essas questões – as crianças negras que não conseguem se ver de forma positiva na tevê, os vários outros corpos que também são discriminados, apagados ou motivo de chacota. É de extrema importância, porque se trata da construção de identidade e de ser protagonista de sua própria história.

Eu me surpreendo por ser tão desprendida em relação ao meu corpo atualmente e de gostar da forma dele. No passado não tão passado assim, eu fazia diversas coisas para me encaixar no que era “belo”. E quem definiu o que é belo? Tenho um projeto chamado Ocupação GGG, que leva mulheres gordas para a praia, e fazemos um ensaio fotográfico e uma conversa sobre gordofobia. Escuto vários relatos, como da menina na praça de alimentação que vê a cadeira grudada na mesa. Não são todos os corpos que cabem naquele espaço. Um mundo mais diverso é um em que nos sentimos felizes como somos, mas que também é adaptável para todos os tipos de formas.

Inventei o termo “geração incômodo”. Hoje, se uma pessoa se incomoda com minha roupa, meu cabelo, o jeito que me porto ou falo, sei que esse incômodo tem que ficar nela, não em mim. Essa é minha grande descoberta.

 

Maria Luiza Floriano

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21 anos
@megamahluu

De maneira ruim, o mundo me fez encontrar um caminho bom. O julgamento e o bullying me fizeram cair numa tristeza profunda por ser quem eu era. A internet trouxe o poder de me expressar, mesmo sem querer sair do quarto, e desejar a autoaceitação me fez entrar no assunto. Através das fotos, comecei a me ver de uma maneira mais carinhosa e bonita. Sempre foi para mim, mas quando senti que isso ajudava outras pessoas e as influenciava de maneira positiva, comecei a me comunicar mais – em textos, poemas e imagens que fazem com que outras mulheres gordas (e até homens) queiram mostrar sua beleza.

Tudo isso mudou minha vida e me tirou de uma rotina de sofrimento. Entendi que quem não me quer por perto por ser a mulher preta gorda que sou, eu também não quero. Mudei minha posição no mundo, tenho orgulho de mim e do que visto, com muita segurança! Hoje vejo o meu melhor lado, amoroso e sensível, que estava escondido atrás de tantas frustrações, raivas e medos. O que me atingia antes, agora dou risada ao ouvir. Está na hora de mudarmos o conceito do que é um corpo ideal. Está na hora de termos amor próprio. Quando a gente se ama de verdade, entende o real significado de respeito – ao nosso corpo, à nossa mente – a ponto de não permitir que outros nos definam.

Ser gorda não me fez menos inteligente ou atraente, da mesma maneira que ser negra não faz de mim alguém ruim. Pelo contrário: me faz mais forte. E eu preciso ser forte. A ideia da mídia sempre foi diminuir o outro para que a elite se sentisse melhor, mas a realidade é que existe lugar para todos. Já pensou que você talvez não se aceite como é porque há uma regra imposta, que cria a necessidade de pagar para correr atrás de uma beleza que nem existe, uma imagem fabricada? É preciso que o mercado pare de querer mudar as pessoas e comece a valorizá-las. Enquanto isso não acontece, temos que ir atrás dessa autoestima. Vamos nos reconstruir e amar quem somos. A partir daí, conseguiremos quebrar os padrões e preconceitos.

 

Camila Larroy

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21 anos
@ultramoon

Minha história não é muito diferente daquelas de outras mulheres gordas ou fora do padrão. Sempre tive uma péssima autoestima e relação com meu corpo, o que me causou muito sofrimento e tentativas de suicídio. Com o bullying que enfrentava por ser uma criança gorda, aprendi a me odiar desde cedo. E assim fui construindo um relacionamento desastroso comigo mesma – anorexia, bulimia, depressão.

Nunca achei que fosse melhorar. Depois de finalmente me tratar (anos de muita determinação, insistência, autoconhecimento e terapia), hoje posso dizer que sou minha melhor amiga! Desenvolvi um amor próprio que é minha base para tudo. Estou em paz com quem eu sou. Conseguir me aceitar foi a coisa mais valiosa que conquistei.

É por isso que decidi trazer minha experiência para as redes sociais: ajudar outras mulheres neste processo tem sido meu objetivo de vida. O processo de autoaceitação é longo e difícil, ainda mais numa sociedade que nos diz o tempo todo o quanto não nos encaixamos. Depois de me curar, queria mostrar que não precisamos nos modificar para nos amarmos. Que é possível se achar incrível sem se sentir culpada por comer ou sofrer vendo na mídia quem não se parece (nada) com o que está no seu espelho. Não é normal viver uma vida baseando sua felicidade no seu tamanho, muito menos tornar a alimentação sua inimiga fatal.

No momento estudo Psicologia e me dedico como ativista no Instagram, onde compartilho meus trabalhos como modelo plus size e crio conteúdos sobre saúde mental, recuperação de transtornos alimentares, representatividade e o movimento body positive, incentivando outras a se libertarem. Ver formas parecidas com as nossas nos faz crer, pouco a pouco, que não somos alienígenas. Somos normais, existimos e resistimos. Nos dias de hoje, se amar é um ato revolucionário.

 

Juliana Rangel

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32 anos
@eujurangel

Sou publicitária, redatora e sócia-produtora do coletivo Toda Grandona. Minha história com meu corpo vem desde a infância. Ser uma criança gorda me privou de muitas coisas, até porque as cobranças começam cedo quando se é mulher. Cresci achando que eu não era suficiente e que não poderia ir a lugares, usar determinado tipo de roupa, ser amada ou bem-sucedida. Tudo por ser gorda, pois foi isso que a sociedade me ensinou. A magreza é vista como atributo de poder e os padrões de beleza (inalcançáveis) são reforçados todos os dias. Eu não me via em lugar nenhum.

No começo da fase adulta, quando não se falava nada sobre positividade corporal, me submeti a uma cirurgia bariátrica. Isso me trouxe, às custas de sequelas que perduram até hoje, os sonhados quilos a menos. Mesmo assim, eu ainda estava fora dos padrões: usava sutiã para levantar os seios, cinta para esconder a barriga, mega hair para compensar as mechas que caíram. E dá-lhe Photoshop para tirar estrias e celulites. Era tudo falso, do cabelo à felicidade. Tudo para agradar o outro.

Depois de uns anos, entrei em depressão e comecei a engordar novamente. As pessoas só sabiam falar sobre meu peso, e foi então que vi que as prioridades estavam erradas. Comecei a ler sobre feminismo e gordofobia e compreender que a sociedade foi construída em cima de padrões e papéis que determinaram não só meu comportamento, mas como tudo meu deveria ser. Há dois anos, entrei no Instagram para compartilhar meus pensamentos e pequenas vitórias – até meu primeiro biquíni.

Como a mídia segue mostrando formas irreais, a representatividade importa. Ela muda nosso olhar e o mundo fica mais bonito, assim como nós mesmas.  Quando você entende o que te levou a se odiar e percebe que isso não veio de dentro, fica mais fácil lutar contra esse ciclo. O que o outro acha quando me vê diz muito sobre ele – e nada sobre mim. Tenho orgulho de ter sobrevivido e de estar aqui para ajudar tantas outras a entenderem que elas são boas exatamente como são.

 

Priscila Novo

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30 anos
@pilints

Ser mulher é ser colocada à prova. É ter sua capacidade física e equilíbrio mental questionados, seu corpo banalizado e objetificado. Ser criada para estar sempre bem arrumada, já que “uma mulher de verdade não se descuida nunca!”, eles dizem. Mas, se você é uma mulher gorda, já “perdeu” qualquer ponto. Falam que é desleixada, sem vaidade, deprimida ou, pior, corajosa por não temer “não encontrar ninguém”. Que você precisa “entrar na linha” pela sua saúde – isso vindo de uma sociedade que nunca se preocupou com as mulheres, que dirá com as gordas.

Somos taxadas de carentes, obrigadas a ser simpáticas e prestativas para compensar a forma do corpo. Ou seja, somos “fetichizadas” e subestimadas. Incomoda ser rotulada e julgada como uma pessoa pior, incapaz e desmotivada por ser gorda. Por muito tempo, me permiti me enxergar com esses olhos, deixando qualquer outro aspecto meu ser agressivamente subjugado.

Tentei me esconder de todas as formas. Por “sorte” nunca me levei a extremos. É muito difícil desfazer os pensamentos maldosos e o padrão (inalcançável) jogado na nossa cara todos os dias. Até quando entendi que não era eu, eram eles, me senti errada – quão confuso foi perceber que me sentia culpada por não me desprezar. Ainda não estou plena e talvez não me ame tanto quanto devo, mas essa é uma desconstrução diária. Só sei que não me odeio e percebo que a maior luta que travo é interna, pelo que me fizeram crer que sou.

Hoje sei a importância de estar de bem comigo e entendo que as referências e a representatividade são essenciais no processo de aceitação. Sem referência, não há conhecimento. Sem representatividade, não é possível se enxergar no mundo. Por isso, pra mim, que não sou uma influencer e não vivo da minha imagem pública, é uma honra participar deste ensaio. Se eu puder ajudar uma pessoa que seja nessa caminhada de amor próprio, vai ser incrível.

Não podemos nos cobrar tanto! Sigo provando pra mim, dia após dia, que sou muito mais do que me fazem crer. A batalha é foda e diária, mas vai valer a pena. E corajosa não é a palavra. É livre!

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“Não podemos nos cobrar tanto! Sigo provando pra mim, dia após dia, que sou muito mais do que me fazem crer. A batalha é foda e diária, mas vai valer a pena. E corajosa não é a palavra. É livre!”