MEMÓRIA LUSITANA

Pelas lentes de Lucas Cuervo Moura, um passeio pelas palhotas, as centenárias casas de pescadores, de arquitetura genuína, erguidas na Costa da Caparica, em Portugal

texto_Ana Paula de Assis
fotografias_
Lucas Cuervo Moura

“Minha família tem uma casa histórica açoriana, em Garopaba, também na beira da praia. Tenho muito interesse em questões de preservação de arquitetura e cultura. E acredito muito na possibilidade de integrar natureza e arquitetura, não somente com projeto e estudos, mas também de forma orgânica e espontânea, que muitas vezes acontece de maneira ingênua e natural, como é o caso das palhotas”

Se estiver em Portugal, vale a visita à Costa da Caparica, distrito de Almada, distante 16 quilômetros da capital do país. O balneário lusitano é reconhecido pelas praias, areais, dunas, vibe mais que perfeita que atrai principalmente os surfistas em busca de altas ondas. Motivo esse que levou o gaúcho Lucas Cuervo Moura, 40 – autor deste ensaio –, a navegar por aqueles mares. “A cidade fica a cerca de 20 minutos de carro da praça das Flores, em Lisboa, local onde morei entre 2008 e 2013, então costumava ir até lá com muita frequência”, explica. O arquiteto de formação e fotógrafo de profissão tem olhar apurado para capturar artesanatos dotados de originalidade entre outras produções genuínas executadas em pequenas comunidades ao redor do mundo – tanto em Moçambique como nos rincões do nosso Amazonas. A parceria com designers e curadores prestigiados – como Tina e Lui, Sérgio J. Matos, Marcelo Rosenbaum, Fetiche Design, Paula Dib, Heloisa Crocco, irmãos Campana, Adélia Borges e Renato Imbroisi (este último atua em sua equipe) – possibilita que técnicas ancestrais sejam resguardadas e também apresenta acessos a novos mercados para estes artesãos escoarem seus trabalhos. Aqui exibimos um tesouro da arquitetura tradicional portuguesa que certamente merecia fazer parte do Patrimônio Cultural da Humanidade: os representativos palheiros – ou palhotas – são construções primitivas de pescadores que há 100 anos povoavam toda a costa litorânea e hoje, com apenas 45 unidades, correm o risco de desaparecerer da paisagem tendo em vista a especulação imobiliária que assola a orla lusitana. “Dependendo dos dias, surfava em frente ao local onde as palhotas se encontram. Tanto o conjunto como individualmente, elas me fascinam. Ao descobrir a história, fiquei ainda mais interessado”, explica. As lendárias habitações quadrangulares e muito coloridas foram feitas inicialmente para os trabalhadores armazenarem suas redes e outros utensílios de pesca. Posteriormente, passaram a abrigar as casinhas de madeira, assentadas sobre estacas, com escada externa para acesso ao patamar da porta, de forma que a maré pudesse circular livremente. O nome delas se deve ao revestimento do telhado, uma espécie de grama abundante típica da região. Há uma movimentação de organizações, como a Arquitetos Sem Fronteiras – Portugal, que manifestaram apoio aos proprietários para serem assistidos com orientações técnicas e conseguirem manter a identidade deste conjunto arquitetônico singular. “Minha família tem uma casa histórica açoriana, em Garopaba, também na beira da praia. Tenho muito interesse em questões de preservação de arquitetura e cultura. E acredito muito na possibilidade de integrar natureza e arquitetura, não somente com projeto e estudos, mas também de forma orgânica e espontânea, que muitas vezes acontece de maneira ingênua e natural, caso das palhotas e dos resultados incríveis e positivos para toda a paisagem e o entorno. Não vou entrar em questões ambientais como fauna e flora, sistema de esgotos, porém acredito que hoje, se bem feito, encontramos soluções para tudo”, finaliza.

CORES em tudo o que eu vejo

O charme das casinhas rústicas fica por conta dos matizes vibrantes pincelados em diferentes pontos das construções. Repare que, em alguns casos, o contraste entre os tons é supermarcante

ARQUITETURA VERNACULAR

Criadas com o intuito de abrigar os utensílios dos pescadores, as palhotas foram erguidas sobre estacas para permitir a passagem da maré e garantir que a água não invadisse a área interna