sou fujimoto

Eu mesmo me divirto com a criatividade inesperada e expansiva

Os olhos já miúdos se estreitam ainda mais por constantemente acompanharem a fala de um sorriso tímido e sincero. Durante uma visita ao Brasil, no ano passado, Sou Fujimoto, 47, afinal, não economizou em simpatia. Presente à Japan House, em São Paulo, na ocasião da mostra “Futuros do Futuro”, o renomado arquiteto japonês falou aos presentes sobre a relevância da interação entre dentro e fora e as melhores maneiras de desfrutar do contraste entre homem e natureza na elaboração dos seus projetos por meio de análises de diversas obras de sua produção – bastante madura, apesar da pouca idade.

O japonês, na verdade, iniciou tardiamente na prática arquitetônica. Assim como o que seria o filho no futuro, o Fujimoto pai era um médico amante das artes: foi a vivência em meio às telas, tintas a óleo, esculturas e livros do genitor a responsável por implantar a visão criativa que a Sou Fujimoto resultaria tão latente e importante. Os blocos e as argilas que moldavam casas imaginárias na infância se converteram, na adolescência, no interesse pela física, dentre os quais constavam pesquisas sobre teoria da relatividade e cosmologia. Não fosse o ciclo básico na grade universitária provocar o sentimento de derrotismo devido ao grau de exigência das matérias dedicadas mais estritamente aos números, o que ocasionou um mau desempenho acadêmico quase inevitável, talvez Fujimoto não tivesse repensado seus planos de curso e, enfim, conhecido de perto as possibilidades construtivas antes apenas vistas no livro sobre Gaudí em cima da mesa de seu pai.

Deu uma chance à arquitetura e encantou-se por Le Corbusier logo de cara, um ídolo atemporal. Em seguida, foi apresentado a uma forma bastante particular de revolução a partir de estudos sobre Alvar Aalto e Mies van der Rohe. Quando teve de desenhar um pavilhão utilizando apenas paredes e cobertura, o que fez por imitação, descobriu serem os seus os melhores esboços da turma. O talento, aos poucos, se fez notar. Isso foi prazeroso. Reconfortante. O primeiro gostinho de reconhecimento foi, sobretudo, incitador: queria sugerir reinterpretações, reconsiderações e reformulações de situações e transformá-las em trabalhos interessantes, surpreendentes e, mais, convincentes.

O pedido projetivo inaugural com o qual deparou-se ao final da graduação pelo Departamento de Arquitetura da Faculdade de Engenharia da Universidade de Tóquio foi pela ala ocupacional de um hospital psiquiátrico, e veio justamente do pai, que, depois de largar o emprego em um centro de saúde na capital do país, investiu tempo e conhecimento de volta a onde criou a família, Hokkaido, à frente da gerência do hospital da cidade. Houve um período ligeiramente ocioso depois disso – reles mortal padecente de dilemas corriqueiros de recém-formados, Sou Fujimoto não sabia muito bem como conseguir um emprego, e, por algum tempo, viveu com a ajuda financeira dos pais para se manter realizando pesquisas individuais. Foi apenas e, enfim, a partir de 2005, com a Casa T, e, no ano seguinte, com o Centro de Reabilitação Psiquiátrica para Crianças, que acredita ter começado a alcançar algum mérito. 

Com uma produção hoje premiada e mundialmente difundida, não é difícil afirmar que as coisas vêm dando certo. Graduado há aproximadamente 20 anos, Fujimoto acredita que as pessoas ainda hoje o procurem não por causa de uma estética manjada ou de um jeito já esperado de resolver e projetar, mas por apostarem justamente em seu potencial de responder a desafios. Sou Fujimoto gosta de desafios porque eles esticam os limites de sua zona de conforto e, com eles, as bordas de sua criatividade. Não considera nenhum projeto inútil e na medida em que, por escalas ou formatos inusitados, testam suas habilidades e se tornam um desenvolvimento experimental para algo que pode brotar. 

Pelo elemento surpresa que, ironicamente, é esperado de algo que leve sua assinatura, o arquiteto dedica muito tempo à explicação das ideias. O público-alvo deve acreditar que a proposta sugerida seja boa, e isso ele alcança menos por meio de uma retórica performática do que pela didática esclarecedora dos propósitos – e, para isso, o japonês, que aprendeu que se estressar à toa em pouco resulta (o filho pequeno tem participação ativa nesta descoberta), vez ou outra articula respostas bem-humoradas. Isso vale tanto para a argumentação das competições das quais já participou, quanto para a palestra que ministrava no fim de novembro de 2017 no auditório da casa de cultura japonesa à avenida Paulista na ocasião do lançamento da mostra Futures of the Future, com slides detalhados, ilustrados, e cuidadosamente elucidados. E é assim, pelo jeito comum da fala sincera, que convence os clientes a embarcarem em seus projetos ultrajantes (esta, sim, uma de suas marcas reconhecidas e passíveis de nomeação).

Os projetos do arquiteto não são, definitivamente, para quem se acomoda em jeitos tradicionais de moradia. E isto não porque pensa que deva assinar obras visualmente vultosas ou que a incompreensão imediata seja elogio, senão porque busca incorporar as necessidades práticas de quem irá habitá-las junto às influências diretas do meio. O processo criativo, intuitiva e espontaneamente, envolve tentar pensar de forma primitiva e recuperar a origem das coisas. O que considera o caráter congestionado e artificial de Tóquio foi uma inspiração, talvez pelo choque notado por alguém que vinha de uma cidade menor, e mesmo os rígidos ensinamentos arquitetônicos de racionalismo modernista que assimilou durante a graduação desapareceram diante da relevância do olhar e da escuta atentos. 

Assim, a ocupação interativa dos espaços é como vê a arquitetura daqui alguns anos. No leito desta corrente embrionária, Fujimoto sugere a construção arquitetônica como uma caverna em que a capacidade humana de exploração e de estabelecimento personalizado de usos deve ser estimulada por quem quer que vá habitá-la – diferentemente de um ninho, construído a partir de materializado o morador. A Casa N, disposta como três caixas uma dentro da outra, resulta em um bom exemplo de espaços intersticiais entre residência e cidade – elemento-chave do pensamento do arquiteto. O mesmo com o consagrado projeto para o Serpentine Pavilion de 2013: finas barras brancas de aço se articularam em uma treliça de maneira a formar um pavilhão quase flutuante, leve e translúcido feito nuvem, que convida à convivência social.

Por ter crescido em Hokkaido, o meio natural é parte fundamental da estruturação ideológica de Fujimoto, que sustenta no contraste entre natural e artificial as bases de suas investigações. Dessa forma, nos trabalhos que assina, o verde transpassa a mera – ainda que relevante – infiltração nos ambientes internos. Nascem, embebidos nessas matrizes, projetos orgânicos também na forma, que se articulam com a natureza de modo a fazer dela, de seus espaços e funções, parte do ambiente. Foi pensando em uma árvore e seus galhos que irrompeu o projeto da Casa NA: de estrutura compacta e uma área social distribuída em diversos e pequenos cômodos interligados e dispostos em patamares, a mudança de perspectiva da morada envidraçada por fora soou melhor do que a segmentação convencional de espaços.

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O retorno, segundo o arquiteto, costuma ser positivo. Ainda que o layout de sua página na internet se assemelhe a algo como os blogs do início dos anos 2000, o profissional não é avesso às tecnologias. Inclusive contou que procura no Instagram fotos marcadas nos lugares de seus projetos para acompanhar como estão sendo utilizados – na mídia, atualizada com alguma frequência, há também registros pessoais de sua passagem pelo Brasil e imagens das viagens realizadas quando não está nas bases do escritório em
Tóquio ou Paris, onde conta com o apoio de equipes competentes e em consonância com o que acredita e profere.

POP-SE: Você já esteve no Brasil antes. Desta vez, algum plano especial no roteiro? 

Sou Fujimoto: Desta vez, o meu principal objetivo era a preparação da exposição na Japan House São Paulo, por isso estava concentrado nisso. Nesta visita, tive a oportunidade de assistir a uma partida de futebol no estádio. Ver o estádio cheio de gente antes mesmo de começar o jogo, ver a felicidade e agonia dos torcedores como se fosse uma coisa única, foi uma experiência fantástica.

P: Você se lembra de sua primeira impressão sobre o País? 

SF: Quando vim pela primeira vez, passei por Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, exatamente nessa ordem. Cada cidade possui características únicas, por isso não tive uma impressão geral do país, cada local me pareceu ser muito atrativo. Em Brasília, sua ordem e sua energia me impressionaram; já o Rio de Janeiro me deixou extasiado com a fusão da cidade com a natureza; por fim, São Paulo me surpreendeu em sua complexidade. Começando por Niemeyer, na cidade ele deixa a marca de muitos arquitetos fabulosos, principalmente por sua bela proporcionalidade que se espalha pelo espaço construtivo, criando uma escala grandiosa e ligando isso à escala humana, elevando-se à outra dimensão. Isso tudo me deixou extremamente tocado.

P: Pesquisando sobre sua história, é possível reconhecer o fascínio pelo poder da criatividade. Você acredita que a criação tenha carta branca quando se refere à entrega de um trabalho? 

SF: Caso eu esteja trabalhando com um cliente fabuloso, a criatividade é algo infinito. Caso seja um projeto com pouco orçamento, isso já é um ponto que pode prejudicar. Condições vindas de clientes ou clima, situação da sociedade ou mercado, ou qualquer condição ligada ao projeto, afetam a criatividade. Com “clientes fabulosos”, falo sobre pessoas que têm a mente aberta para o futuro e que estão em busca do desconhecido. Por isso, para mim, a criatividade não tem fim e acredito que possa se espalhar para qualquer lugar.

P: Se não arquiteto, o que escolheria como profissão?

SF: Antes de querer fazer arquitetura, eu queria ser físico ou matemático. Queria ir desvendando o mundo que é simples e ao mesmo tempo complexo. São profissões que admiro, pois têm o poder de mudar a visão das pessoas da água para o vinho. Mas acredito que esse desafio também cabe a um arquiteto.

P: O sucesso de seu trabalho se difundiu com certa rapidez. O que acha que atrai, nele, a atenção das pessoas?

SF: Na minha opinião, meu senso de desafio e forma de pensar na arquitetura vêm se desenvolvendo aos poucos desde quando me formei à medida que fui obtendo experiência. Não foi algo que se desenvolveu repentinamente. Foram conjuntos de pensamentos que se aglutinaram conforme o tempo passou, criando assim mais profundidade e firmeza na minha arquitetura. O fato de as pessoas se interessarem pelos meus trabalhos mostra que minha forma de pensar que “a arquitetura foi feita para criar o espaço para o ser humano” está tendo retorno. Percebo o corpo humano, a diversidade da forma de viver, a criação de cultura e sua profundidade e questiono constantemente esses fatores – sempre busco obter uma nova visão a partir disso. A arquitetura que nasce disso engloba a surpresa de ver algo novo e, ao mesmo tempo, traz a essência. Acredito que, com isso, as pessoas  simpatizem com a novidade atrelada à sua essência, e com certeza nasce coragem e esperança.

P: Considera que, ao longo dos anos, mudaram muito seus ideais ou métodos de trabalho? 

SF: A minha forma de pensar sobre arquitetura, conforme eu descrevi na outra pergunta, não mudou. Por outro lado, acredito que hoje consigo vê-la de forma mais ampla do que antes. Visitando diferentes regiões e países, conhecendo culturas e climas, vendo projetos de alguns metros quadrados ou até milhares de metros quadrados e tantos outros planos diferentes. Estando no meio de tanta diversidade, o pensamento básico sofre uma grande influência e acaba saltando para rumos jamais pensados antes. Eu mesmo me divirto com a criatividade inesperada e expansiva. Mais do que eu estar construindo algo, é como se estivesse criando uma existência maior do que eu enquanto me surpreendo com isso.

P: É muito difícil propor às pessoas entender e aceitar projetos com espaços de funções menos rígidas? 

SF: Acredito que não seja algo tão complicado. A vida das pessoas é complexa e cheia de coisas inesperadas, por isso estamos acostumados a nos divertir e lidar com a criatividade. Se conseguirmos curtir a vida em sua essência antes mesmo de raciocinar sobre ela, a diversidade presente no mundo afetará o campo criativo e será um ambiente de trabalho excepcional. A caverna é o conceito da riqueza da relação entre o humano e o mundo.

P: Assim como Tóquio, São Paulo apresenta altos índices de densidade habitacional que vêm sugerindo o aparecimento de microapartamentos. Acredita que esse jeito de morar mais compacto seja temporário ou pensa que tenha vindo para ficar? 

SF: Eu gosto da diversidade. Se algum sistema tomará a cidade toda, mesmo que seja o melhor possível, acredito que isso a transformará num local muito tedioso. Se existem microapartamentos, existem grandes apartamentos também, assim como uma casa. Ter essas e muitas outras opções é o que faz esse lugar ser rico.

P: Para você, a arquitetura é capaz de redirecionar jeitos de se viver? Ou a maneira como os projetos serão construídos no futuro cabe às próprias pessoas? 

SF: Quero novamente usar a palavra “diversidade” aqui. O que a arquitetura pode fazer é criar a possibilidade de vários futuros. Porém ela não leva a sociedade para apenas um caminho. A diversão, a nova relação entre pessoas que a arquitetura cria, procura dar esperanças e coragem para as pessoas do futuro. Futuro esse que não tem apenas uma resposta certa, mas sim uma infinidade de possibilidades.

P: E você? Se pudesse eleger qualquer cidade no mundo para viver, qual seria sua escolha?

SF: Acredito que eu prefiro Tóquio mesmo. Porém, depois de abrir um escritório em Paris, vou todo mês para lá e agora sinto como se fosse minha casa também. Como tenho me deslocado para tantos lugares, sinto que faço parte da diversidade também.

P: O que diria ao jovem arquiteto Sou Fujimoto do passado e o que espera de você enquanto profissional e ser humano para os dias que virão? 

SF: Não tenho nada específico para dizer ao eu do passado, pois ele seguiu o caminho que acreditava enquanto se divertia. O que posso fazer para o futuro é continuar construindo minha arquitetura de forma agradável, sincera e direta. 

@sou_fujimoto