O que somos e o que somamos

Se, para Santiago Calatrava, “a arquitetura é o elemento que determina a identidade de nosso tempo – e melhora a vida das pessoas”, para Marcio Kogan e a trupe do seu MK27, o projeto Somosaguas, condomínio na periferia da capital espanhola, liquida o assunto da vida em sociedade 

Apesar de a arquitetura fazer uso de materiais simples, industriais e monocromáticos, com suas fachadas em miniwave e alvenaria pintadas de branco – que contrastam com as cercas de madeira que delimitam os passeios –, o resultado é de tirar o fôlego

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isto do alto, é quase uma escultura concretista. Retângulos brancos, cinzas, verdes (jardins) e azuis (as piscinas). Esta foi a primeira sensação que me causou o projeto Somosaguas, um condomínio de casas na periferia de Madri, saído das pranchetas precisas do escritório de um de nossos maiores profissionais, Marcio Kogan, em coautoria com Suzana Glogowski (e interiores de Diana Radomysler para a casa piloto, que é a melhor tradução do chic-contemporâneo), que supera – e muito – as expectativas iniciais do projeto. 

Atendendo a um pedido de um produto “anticrise”, que deveria adaptar detalhes arquitetônicos bespoke para uma maior escala e utilizar produtos industrializados disponíveis no mercado europeu, o projeto Caledonian Somosaguas tem características muito singulares que resultaram em um conjunto sólido, mas simultaneamente fluido, onde até as sombras parecem ter sido estudadas, dado seu impacto visual no resultado final. Espalhada nos quase 9 mil metros quadrados do terreno, a arquitetura do Studio MK27 tornou sólidas 5,1 mil metros quadrados de área construída + 4,1 mil metros quadrados no subsolo, distribuídos em 21 casas, organizadas em cinco platôs que vencem o desnível topográfico de 3,5 metros, o que possibilitou que todo o perímetro da quadra estivesse em nível com a calçada que o circunda. Seguindo um módulo construtivo de 1,25 metro, foram desenhados quatro tamanhos de casa – e deste rígido e complexo conceito derivaram 21 imóveis diferentes, únicos. O início do projeto deu-se em julho de 2011, e sua conclusão, em abril de 2017, sendo que todas as casas foram vendidas – e ocupadas. A pluralidade dos tipos de residências possibilitou também uma pluralidade no perfil de moradores: famílias com crianças pequenas, pessoas aposentadas ou que moram sozinhas, reforçando um dos elementos do projeto – o de assemelhar-se a um pueblo, com a característica variedade etnográfica dessa configuração sócio/geográfica. No lugar da praça principal, está uma piscina, um ponto de encontro comum entre as casas. Porém aqui a ideia de propriedade do lote é diluída, pois as moradas estão edificadas sobre um jardim comum, com um pátio privativo para cada unidade, proporcionando uma sutil transição entre o público e o privado. 

Apesar de a arquitetura fazer uso de materiais simples, industriais e monocromáticos, com suas fachadas em miniwave (um revestimento metálico de padrão geométrico ondulado) e alvenaria pintadas de branco – em contraste com as cercas de madeira que delimitam os passeios –, o resultado é de tirar o fôlego, um labirinto de sensações, luzes, volumes e sombras. O paisagismo de Isabel Duprat, que se derrama no terreno de forma orgânica, interage e ao mesmo tempo contrasta com a ortogonalidade dos volumes, reforçando ainda mais essas sensações. As fenomenais fotos de Fernando Guerra, que ilustram esta matéria, reverenciam essas formas e avigoram este discurso.

O escritório MK27, autor de vários projetos laureados, explica que o projeto Somosaguas é, na verdade, um “metaprojeto”, onde “a ocupação da quadra urbana, de uma forma permeável para os pedestres, pode ser replicada em qualquer lote urbano, e em qualquer cidade (…) e que o projeto pretende potencializar as formas de vida em coletividade na cidade”. Considerando que foram convidados para fazer mais três projetos em Madri (para o mesmo cliente) – dois condomínios com dez e 16 casas cada, além de um edifício no centro da capital espanhola com cerca de 94 apartamentos, sendo parte totalmente nova e parte, um retrofit de dois edifícios existentes – Marcio Kogan e sua plural equipe tiveram pleno êxito neste metaprojeto. Aproveitando que estamos em solo espanhol, cito um grande arquiteto/engenheiro nascido em Valência, Santiago Calatrava, que prega que “a arquitetura é o elemento que determina a identidade de nosso tempo – e melhora a vida das pessoas”. Somosaguas é isso.